2016/11/03

SOU POEMA




SOU POEMA 


Eu sou poema – e um poema de corpo inteiro –
Sentindo-me nas mãos do meu fiel destino;
Este é o meu fado, quase desde pequenino,...
Num profundo horizonte justo e verdadeiro.

Eu sou poema, no abrir dos olhos da manhã
E dou comigo ouvindo as aves a cantar;
Sou poema quando vejo o dia a clarear
Tacteando a fresca brisa que passando está.

Eu sou poema co´ a cotovia a esvoaçar
Ouvindo extasiado o canto que ela dá;
Sou poema quando abarco todo o céu que há
Ao longe e ao perto, que a mim me faz cismar.

Eu sou poema quando te sinto à minha volta
Respirando comigo uma atmosfera azul;
Sou poema quando desço a encosta do paul
Donde me vem um estranho coaxar à solta. 

Eu sou poema quando passa o lavrador
Que se dirige ao campo para a terra abrir;
Sou poema quando vejo a selva a reflorir
E nela um melro que sublima a sua dor.

Eu sou poema nas crianças que à escola vão
Vestidas p´ la sacola que o seu destino leva;
Sou poema quando sei que continua a treva
Neste mundo em que a fome vai pedindo esmola.

Eu sou poema nos frios dias e nas frias noites
Que têm humanas vidas sempre solitárias;
Sou poema nas alegrias e nas paixões várias
Que acorrentam os pobres cingidos por açoites.

Eu sou poema no corpo dos desventurados
Que em toda a terra se revestem de amargura;
Sou poema nas máscaras da vil tortura
E na procela dos sem-nome injustiçados.

Eu sou poema nos chagados p´ la desgraça
E no estertor do frio e chuva intermitente;
Sou poema no choro de quem não é gente
Andando pelo mundo nu de praça em praça. 

Eu sou poema na silhueta das ermidas,
Na fé das romarias e crença no rosário;
Sou poema no estatuto do gene perdulário
E das juradas leis rasgadas e esquecidas.

Eu sou poema quando topo na erma travessia
As insondáveis circunstâncias da existência;
E o que me ocorre nesta incerta emergência 
É oferecer-me de holocausto p´ la Poesia.

Eu sou poema duma saudade com raiz
Nas tradições populares repletas de cultura;
E, nas asas do sonho de louca aventura,
Poema-canção da minha terra e do meu país! 

© Frassino Machado 
In CANÇÃO DA TERRA